"– O quê? Você por aqui, meu caro? Num lugar suspeito? Você, o bebedor de quintessências? O comedor de ambrosia? Na verdade, tenho de surpreender-me!
– Você conhece, caro amigo, meu pavor pelos cavalos e pelos carros. Ainda há pouco, quando atravessava a avenida, apressadíssimo, e saltitava na lama em meio a esse caos movediço em que a morte chega a galope por todos os lados ao mesmo tempo, minha auréola, num movimento brusco, escorregou da minha cabeça para a lama da calçada. Não tive coragem de juntá-la. Julguei menos desagradável perder minhas insígnias do que deixar que me rompessem os ossos. E depois, pensei, há males que vêm para bem. Posso agora passear incógnito, praticar ações vis e me entregar à devassidão, como os simples mortais. E aqui estou, igualzinho a você, como vê!
– Você deveria ao menos mandar pôr um anúncio pela auréola, ou mandar reavê-la pelo delegado.
– Não, ora essa! Sinto-me bem aqui. Só você me reconheceu. A dignidade, aliás, me entedia. E também, me alegra pensar que algum poeta ruim há de juntá-la e vesti-la impudentemente. Fazer alguém feliz, que prazer! Principalmente um feliz que ainda vai me fazer rir! Pense em X ou em Z, puxa! Que engraçado vai ser!"
Charles Baudelaire, em Pequenos poemas em prosa
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"Conte-me tudo - ela pediu. - Fale-me sobre o universo, sobre as coisas que viu enquanto vagava pela sombra do espaço. Revele-me o aspecto de Deus.
- Mas eu sei muito pouco. Só os arcanjos conhecem os verdadeiros mistérios do cosmo. Sou só um guerreiro, um executor, ou pelo menos era...
- Houve um tempo, muito anterior à aurora do universo, em que o infinito estava dividido em duas províncias, a província das trevas e a província da luz. A escuridão era então governada por uma divindade hedionda, Tehom, a deusa do caos. Essa monstruosidade cósmica era assistida por diversos deuses menores, entre eles Behemot, o Horrendo, com sua lâmina negra, e controlava a maior parte do extenso vazio. Seus opositor era o deus da luz, o resplandecente Yahweh. Em determinada ocasião, Yahweh e Tehom entraram em guerra."
trecho de A Batalha do Apocalipse, de Eduardo Spohr
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