segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Da Arte de Fazer da Vida um Lixo Extradiordinário


Que prazer visceral é esse em ser irônico e sarcástico? Sobram orgulho e soberba. É o caminho mais fácil para a construção de um ego absoluto. Sabe quando dentro de você só habita você mesmo e mais ninguém? Sou eu por eu mesmo. Minha partícula reflexiva me basta e não desejo ao outro nada além do que a sua própria destruição. Pois ser um ego absoluto é assim, ser um não-humano. Ser assim é ser demônio, oras.

O que você tem além de si mesmo? O que leva dentro de si quando se depara com alguém completamente diferente de você? Afinal, o que pulsa na gente, senão a incompreensão, a esquiva, o ódio e a indiferença?

É tão difícil assim aceitar tudo de bom que o mundo, (e quando falo mundo, quero dizer todas suas existências - pessoas, seres viventes, entidades etc.), pode nos oferecer? É tão difícil assim desdenhar o [falso senso de] direito de que todos as pessoas devem a mim o bem? -aquele mesmo bem que eu não consigo fazer. É mesmo tão difícil aceitar a gratuidade! Receber por merecimento é mais confortável. A humanidade, desde seu princípio, achou que deveria ganhar o bem por direito. Cultivamos uma (in)consciente convicção de que o mundo causou danos significativos e relativamente pouco bons a nós – talvez exatamente o oposto à verdade original. É mais fácil acreditar na desgraça. É bem mais fácil cair na desgraça.

Como vou me portar, então, diante do papel de iluminar as existências diferentes de mim?

Por que não confiar que o mundo está aí para me fazer o bem? Por que há sempre o Por que comigo? e não o Por que não comigo? Somos pessoas covardes. Pensar assim é perigoso. Pensar assim é ser corajoso. É ter coragem para correr o risco de deixar que a vida me faça o bem e, mais!, que as outras pessoas também me façam o bem.

Correr esse risco significa ir a uma festa de casamento e confiar ingenuamente, como crianças, no compromisso dos jovens amantes, que ainda não sabem nada da vida, que não sabem nada do amor. Fazer o possível para que não falte nada a eles e na festa - inclusive a comida e o vinho, e tudo aquilo que contribui para fazer da festa um momento de plena alegria e comunhão. Correr. Viver. Coragem para abdicar do desejo de brincar com a vida e com os outros. Viver entre a ingenuidade e o cinismo. Ser como um cão. Lembrar da ternura da vida. Entre a simplicidade e a prudência, ser como as serpentes e as aves dos céus. Preferir as putas aos hipócritas. Ter afeto pelo homem sujo, velho e fedido do semáforo. Fazer questão de esquecer os erros do amigo chegado. Sentir nojo pelo vazio e repetitivo. Buscar o melhor modo de fazer a sua vida se destruir para si. Caminhar para além daquilo que eu fiz minha vida se tornar.

Um comentário:

Leandro Amado disse...

Muito bom! Realmente, o sarcasmo cada vez mais me parece sinal de soberba. Qualquer tipo de proposta concreta é sempre rebatida com uma ironia invencível, que critica tudo de camarote com soluções óbvias que nunca são postas em prática. O pior é que, vira e mexe, nos vemos nessa posição, ficamos que nem você falou, reclamando de como todo mundo é mau pra nós e esquecemos de ser bons.