terça-feira, 21 de outubro de 2008

Segundo Tempo

"Mantínhamos um velho criado, cujo nome era Wright, trabalhando todos os dias, embora fosse pago por semana, mas ele fazia rodas por ofício [...]. Certa manhã aconteceu que, tendo uma carroça quebrado na estrada [...], o velho foi chamado para consertá-la no lugar em que o veículo se encontrava; enquanto ele estava ocupado fazendo o seu trabalho, passou um camponês que o conhecia, e o saudou com o cumprimento de costume: Bom dia, velho Wright, que Deus o ajude a terminar logo o seu trabalho. O velho levantou os olhos para ele [...] e, com uma grosseria divertida, respondeu: Pouco me importa se ele ajudar ou não, trabalho por dia."

Daniel Defoe, The Great Law of Subordination Considered


Será que sou dono do meu tempo? Não, pois não o criei. Não, pois não o recebi de presente. Comprei? Não. Também não, porque me foi imposto. Nasci sem saber o que era o tempo e continuei dando-lhe a mínima por um tempo. Será que fui saber o que era o tempo quando minha prima me ensinou, já aos 10 anos, a ver as horas no relógio de ponteiros? Ou será que foi quando ganhei meu primeiro relógio de pulso (que durou pouco tempo em mim antes de ser roubado num ponto de ônibus) ?

O que é real é que me vejo subordinado ao tempo, e ao tempo em forma de números digitais no display do celular. E fato é também que vejo gente presa ao tempo, já ignorante à ação dele em sua vida. E este tempo vem como urgência, como uma ambulância que precisa correr contra o tempo para salvar a vida de um acidentado. É o tempo da urgência, em que tudo já foi, já era, é pra ontem! E ai daqueles que insistem em se atrasar, ai daquele que não fizer tudo isso a tempo! Ai daqueles que escrevem muito no blog!! Parece que a pressa já pediu perdão à perfeição e estão se reconciliando...

Vê-se com maus olhos aqueles que não fazem nada. O tempo tem que ser um tempo útil, produtivo. O que você faz nas horas livres?, gosto de ler livros, ir ao cinema. Não se pode mais não fazer nada! Ócio? Que nada! Nega-se o ócio para ele virar negócio. Nem no meu domingo à tarde tenho um tempo livre de verdade, em que poderia simplesmente fazer nada. Porque ler um livro já é fazer alguma coisa, dormir é fazer alguma coisa. Digo fazer nada mesmo - mais nada que aquele nada que ainda pode ser alguma coisa.


Não sou livre do tempo. Não tenho tempo livre. Corro atrás do tempo o tempo todo - chega à noite e quero ter mais um pouco de tempo para fazer tudo aquilo que não deu tempo. O tempo é uma presa e um caçador invisíveis! Se quando vou orar, já olho antes quanto tempo vou levar no meu devocional; no final, quanto tempo eu gastei. Controlo-me para não perder muito tempo na frente da televisão ou do computado, e acabo perdendo tanto que desconfio que não o tenho ganhado mais.

Com Jesus já era outra história. Para Jesus não tinha mau tempo, e na verdade não tinha tempo nenhum. Assim como vimos que Deus não tem, ou se tem, é um tempo sem tempo - bem diferente do nosso. "Jesus saiu para o monte a fim de orar, e passou a noite orando a Deus." (Lucas 6.12) E nós, os discípulos, já estávamos no décimo sono a roncar, cansados de esperar tanto tempo.

Continua...

Cena de O Náufrago

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