
Não consigo entender muito bem seus textos. Parece que eles falam com um ser que eu ainda não sou. É difícil de assimilar. É um pouco como as palavras que o Livan Chiroma me fala. Visionários costumam ser assim. Falam com o devir. Lá na frente talvez eu entenda o que queriam dizer.
Brabo saiu de seu monastério em Curitiba, já algum tempo atrás, para vir a Av. Paulista lançar seu primeiro livro – “Em 6 passos o que faria Jesus”.
Que título é esse?! Lembrei-me na hora de “Em seus passos o que faria Jesus”, um clássico da literatura cristã norte-americana que falam para eu ler desde minha pré-adolescência, e eu nunca li. Há uns anos atrás este livro era um daqueles que ficava guardado naquela estante da memória cuja etiqueta era “Os livros que preciso ler um dia”. Com o passar do tempo ele passou para a lista dos “Livros que não li e não gostei”. O meu crescente preconceito com a cultura cristã norte-americana, sua literatura canônica e colonizadora e os “X passos para se tornar um [...] melhor” – preconceito não muito fundamentado, confesso - fizeram com que eu repudiasse livros que trazem fórmulas e regras sobre como devemos agir enquanto cristãos.
A despeito de tudo isso, desconfiava que Brabo pregava uma peça com o tal título. Fui lá e comprei (durante uma palestra de Ed René Kivitz, sobre Religião e Espiritualidade).
O professor da FAU-USP e curador da Bienal de Arte-SP, Agnaldo Farias, falou uma vez que a arte tem a capacidade de nos fascinar e causar perplexidade, mesmo sem termos a mínima idéia do porquê. É aquilo que nos faz pensar ‘Caramba! Como eu não descobri isto antes! Caraca! Como eu pude viver até agora sem ter lido, visto ou ouvido isso!’.
A leitura de “Em 6 passos o que faria Jesus” me surpreendeu dessa forma. Por que não tinha pensado nisso antes? Por que demorei tanto para ler isso?
Na introdução, Brabo nos deixa a pergunta: “Você quer ser como Jesus?” A partir daí começam os 6 passos, cada capítulo 1 passo. Tratarei deles aqui de forma bem sintética e com impressões pessoais.
Cap. 1 – 1º passo – Viva a intolerância contra os religiosos
O desconcertante é que, ao mesmo tempo que tolerava os pagãos, Jesus batia de frente contra os que afirmavam terem o monopólio de acesso ao Verdadeiro Deus.
Senti-me confortável ao perceber que o que mais me tem tirado a paciência é a religiosidade dos evangélicos. Minha raiva e indignação é justificada e válida. Fiquei em paz.
Cap. 2 – 2º passo – Faça o que os outros não esperam
Não basta sair pelo mundo usando óculos cor-de-rosa e desovar um Deus te abençoe no colo de cada um.
Refleti sobre meu otimismo e comodismo em relação ao estado do mundo. Para ser corajoso, é preciso ser esperto. Para ser esperto, é preciso ser forte. Como pombas e serpentes.
Cap. 3 – 3º passo – Desfrute sem possuir
Viver como Jesus é certamente viver à margem do culto da performance.
Equilíbrio. Adrenalina. Fiquei pensando que renunciar aos bens materiais para viver pobre com os pobres talvez seja mais fácil do que ser um rico, desfrutar do que o mundo me oferece, e com tudo isso e mesmo assim ser humilde com os humildes e pobre de espírito.
Cap. 4 – 4º passo – Viva inteiramente inserido no seu mundo
A santidade do senso comum exige que nos afastemos da normalidade da experiência do dia a dia em favor da singularidade da vida religiosa. O Filho do Homem nos convida, assombrosamente, a fazermos o trajeto oposto.
Jesus viveu num mundo que já era pluralizado. O nosso , então, nem se fala. E o desafio está em viver a singularidade da caminhada cristã num cotidiano como o nosso, em que a cada esquina há uma referência cultural, um jeito de se vestir, um enquadramento de inteligibilidade totalmente distinto da outra esquina. É mais fácil querer ser como João Batista. Afastar-se de tudo e viver a excentricidade. Jesus foi comum. Um cidadão de seu tempo. Isto sim é um desafio.
Cap. 5 – 5 º passo – Permaneça disponível para o momento
Fora morrer, o Filho do Homem não tinha plano algum: nenhuma agenda, nenhum prazo e nenhum cronograma (...). “Basta a cada dia o seu mal” (...). Ele não perdia o momento de vista, pela excelente razão de que não queria perder Deus de vista.
Se você já conversou comigo, você precisa saber que eu devo ter guardado menos da metade daquilo que me falou. Enquanto ouço e concordo com a cabeça e sobrancelha, minha mente brisa por todos meus planos e desejos, viaja por idéias antigas que começam a surgir e a se reconfigurar. Isso se dá também numa “insatisfação crônica”. Como as personagens dos filmes mais recentes de Woody Allen (por exemplo, Vicky, Cristina e Barcelo, e Você vai conhecer o homem dos seus sonhos), somos convictos de que poderiam estar fazendo algo bem mais legal, bem remunerado ou útil do que estão fazendo no momento presente.
Cap. 6 – 6º passo – Sensualize a sua espiritualidade
Somos constantemente ensinados sobre a importância de morrer e ressuscitar como Jesus, mas – ai de nós – não há quem nos ensine a encarnar.
Mateus Meenero, líder da Seara Urbana, perguntou em um encontro se alguém já tinha ouvido algum sermão sobre Anjos. Eu já. Mas a maioria não. Por quê?! Alguns temas bíblicos são negligenciados pelos agentes dos púlpitos (Pastor é muito rural). E sobre carnalidade, alguém já ouvi falar? E encarnação? Claro que já. Mas n'outro sentido: a encarnação de Deus. Já? Os discursos nas igrejas são contra carne, enquanto os Evangelhos da Bíblia trazem a manifestação de Deus através da própria carne humana.
Apesar de toda surpresa nesses ensinos, o inusitado na obra de Paulo Brabo está nele não mistificar tudo o que escreveu. A partir do segundo passo ele começa a desvalorizar o passo anterior. E no último passo ele se apropria da máxima “os últimos serão os primeiros”. Não há ordem a ser seguida. Não há passo a ser seguido. Tudo são apenas números, ensinamentos, racionalizações, construções humanas, uma adequação ao nosso entendimento. O que leva a ele dizer no final que “para ser realmente como Jesus, é necessário ignorar todo o anterior.” As lições deste livro não bastam para a vida plena que Jesus possibilita.
Eu, como professor dos adolescentes da igreja que freqüento, aprendi que não serão as lições bem trabalhadas, os tópicos bem definidos, o conteúdo bem fundamentado que levarão os alunos à compreensão exata da profundidade do conhecimento de Deus e de uma cosmovisão do mundo. A única lição de Jesus, ou pelo menos a mais essencial, era a que não havia nenhuma lição suficientemente completa, complexa e abrangente para nos levar ao caminho perfeito do cristianismo. Para Jesus nada bastava. Nada era certo.
O que mais Jesus nos deixou foram dúvidas. Por quê? “Jesus não saía pelo mundo distribuindo certezas”. Talvez meu papel como professor seja mais do que somente responder corretamente às perguntas de meus alunos. Talvez seja levá-los a construírem as perguntas corretas. Ensinar a olhar ao mundo e saber perguntar, e não apenas dar uma resposta categórica: “Jesus é a resposta!” e pronto acabou. Jesus “queria que deixássemos para sempre de perseguir respostas prontas e aprendêssemos a abraçar desafios abertos.”
Não há passos, nem regras, metodologias, livros e achismos que possam nos conformar a Jesus. (Neste sentido, Jesus Cristo é mais pós-moderno do que nos possa parecer.) Apesar do título, Brabo nos leva a matar a mania de contar os passos, as idéias e as dicas, e nos aponta o caminho da autenticidade natural da vida em Cristo – “a alegria é ainda maior quando paramos de contar [e o] caminhar se torna natural”.
É preciso matar as palavras e escondê-las no coração. Morrer e viver em Cristo é internalizar a verdade. É “abraçar a essência que as palavras indicam”. Porque Jesus mesmo alerta para que quando disserem “o Cristo está aqui” ou “está ali!”, não acreditar. Brabo mesmo nos alerta que Ele não estará em seu livro, nem nos tantos outros que falam sobre Ele.
Estranhei o título desde o começo, pois imaginava que Brabo não haveria de fazer como aquele autor de “Em seus passos o que faria Jesus”, e se contradizer com as próprias palavras deste Jesus, o “rabi da Galiléia”. Jesus disse aos seus discípulos que eles poderiam ter tanta autoridade quanto Ele tinha e fazer coisas ainda maiores que Ele fez na Terra. Por que, então, eu estaria preocupado em me perguntar ‘o que Jesus faria’, senão em me pautar no pensamento inverso: O que Jesus não faria? O que Jesus não fez? A conclusão de Brabo é que “Jesus aparentemente só se contenta em estar onde não esperamos que esteja.” Para ser como Jesus, é preciso libertar-se dele.
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Se você gosta de ler e ouvir Ed René Kivitz recomendo Paulo Brabo, são amigos, pelo menos é o que o próprio Kivitz diz. "Em 6 passos o que faria Jesus" (2009) é da Garimpo Editorial. Clique para conhecer mais.
4 comentários:
Lucas,
Muito bom seu texto. Também me pego "infundamentada" às vezes quanto aos livros rotulados por fórmulas. A rede é uma boa pedida pra uma leitura assim. Ficou a dica! Rs.
Paz e bem.
Aline Moreira.
Pois é, Aline. Apesar de Jesus ser simples, ele não era simplista.
Não dá para conformar o cristianismo em padrões rígidos.
Jesus conhecia a realidade, por isso não pôde ser simplista.
Como diz nosso querido C.S. Lewis, "Só que não conhece a realidade pode se dar ao luxo de ser simplista."
Muito obrigado pelo comentário, Aline. :)
Lucas.... acho q sao por textos assim q nao me canso de entrar todos os dias no seu blog a procura de uma atualização...
e mais uma vez.. me pego aqui.. meditando e remoendo td q vc disse..
muitoo bomm....
ate mais Lu
keilinha
Você é uma leitora fiel! rs Muito obrigado, Keila!! :D
Aproveito pra avisar que vou atualizar menos ainda o blog, mas em janeiro devo voltar! ;)
até mais
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