...
Retomei o início do diálogo:
- Por que pergunta se ainda há espaço para a sua presença? Não vê que o mundo é cada vez mais religioso? Proliferam igrejas, templos, cultos, seitas, movimentos esotéricos. O ateísmo perde fiéis, a fé está mais viva do que nunca!
- Não é esse espaço que busco - retrucou Deus. - Também a religião se torna fonte de lucro e poder. Minha pergunta é outra: há espaço para mim no coração humano? É a minha vontade que as pessoas buscam? Ou são atraídas pela vaidade, pela ambição, pelo egoísmo? Quem é capaz de me reconhecer na face de quem tem fome, está excluído e oprimido?
- Vou ser sincero, Senhor. Nesse sentido, não há muito espaço. Nossos corações desaprenderam a orar, a ter compaixão, a promover o gesto solidário. Temo que, após ter rompido a comunhão com a natureza, estejamos agora esgarçando a família humana. E, de quebra, nossa sintonia com o Senhor.
- Sim, vocês me louvam com os lábios, mas não com o coração. Prestam-me cultos, mas não libertam o oprimido. Amam mais a posse que o dom.
Fiquei preocupado:
- O Senhor vai nos deixar à deriva? Vai cancelar a sua obra, zerar a Criação?
- De modo algum. Por mais estúpidos que vcs sejam, não deixo de amá-los. Nem pretendo abandoná-los. Vcs haverão de aprender com os próprios erros. Espero apenas que não demasiadamente tarde.
Antes que ele se fosse, indaguei:
- Senhor, caso queira encontrá-lo, aonde devo buscá-lo?
- Não precisa ir longe - disse ele com uma ponta de ironia. - Basta um mergulho em seu mundo interior. Estou no lado avesso de seu coração. Mas prefiro que também me encontre na face dos que sofrem.
::fim::
> Conversando com Deus, Frei Betto.
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